sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Execução Provisória da Pena

Conforme recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, é possível o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau. 

No entendimento da Suprema Corte, a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88) e não viola o texto do art. 283 do CPP.

Anteriormente, o STF entendia pela impossibilidade da execução provisória da pena, pois a CF/88 prevê que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, da CF/88). Trata-se do princípio da presunção de inocência. Desta forma, pendente recurso da defesa, o réu ainda continua presumivelmente inocente, não pode ser coagido a iniciar o cumprimento da pena (STF. Plenário. HC 84078, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 05/02/2009). 

Atualmente, no julgamento do HC 126.292/SP, o STF mudou seu entendimento, passando a admitir o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau não havendo ofensa ao princípio constitucional da presunção da inocência. 

Segundo a Suprema Corte, o recurso especial e o recurso extraordinário não possuem efeito suspensivo (art. 637 do CPP). Isso significa que, mesmo a parte tendo interposto algum desses recursos, a decisão recorrida continua produzindo efeitos. Logo, é possível a execução provisória da decisão recorrida enquanto se aguarda o julgamento do recurso.

O Min. Teori Zavascki defendeu que, até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em 2º grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau ao STJ ou STF não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito.

A jurisprudência anterior que assegurava, em grau absoluto, o princípio da presunção da inocência a ponto de negar executividade a qualquer condenação enquanto não esgotado definitivamente o julgamento de todos os recursos (ordinários e extraordinários) permitiu e incentivou a indevida e sucessiva interposição de recursos das mais variadas espécies, unicamente com propósitos protelatórios. O objetivo era o de conseguir a prescrição da pretensão punitiva ou executória. Dessa forma, cumpre ao Poder Judiciário e, sobretudo, ao STF, garantir que o processo — único meio de efetivação do “jus puniendi” estatal — resgate sua inafastável função institucional.

 (STF. Plenário. HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016) 

Fonte de consulta: www.dizerodireito.com.br 

A necessidade de exclusão das peças do inquérito policial dos autos processuais: a originalidade do processo penal

O art. 155 do CPP estabelece que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

        O dispositivo processual penal inicia-se de forma acertada ao prevê que o juiz formará sua convicção, no momento de sentenciar, com base na prova produzida em contraditório judicial, mas peca em deixar uma brecha para permitir que o magistrado se baseie também nos elementos colhidos na fase investigatória, pois nesta há uma profunda relativização das garantias fundamentais. Agindo assim, o legislador permitiu a dissimulação do ato de condenar com base na prova judicial cotejada com a do inquérito.

            Segundo Aury Lopes Júnior:

           Quando o art. 155 afirma que o juiz não pode fundamentar sua decisão “exclusivamente” com base no inquérito policial, está mantendo aberta a possibilidade (absurda) de os juízes seguirem utilizando o inquérito policial, desde que, também invoquem algum elemento probatório do processo (LOPES JÚNIOR, 2012, p. 360).

          O legislador não andou bem ao permitir que os juízes pudessem utilizar o inquérito policial, fase esta inquisitória em suas facetas, como fundamento de sentenças judiciais, pois abre ao juiz o raciocínio de se por ventura não encontrar elementos suficientes no processo, que justifiquem uma condenação, possa ir busca-los nos elementos informativos produzidos no inquérito policial, situação esta violadora do Estado Democrático de Direito, jogando por terra a garantia da própria jurisdição e do contraditório.

            Elucidativas as palavras de Fábio Presoti Passos, que afirma:
A instrução preliminar como um todo tem valor cognitivo relativo, uma vez que carece de confirmação de outros elementos colhidos durante a fase da instrução processual, não podendo o magistrado condenar o acusado baseado tão somente em elementos colhidos durante a fase investigativa (PASSOS, 2012, p. 42).

           Há casos ainda mais graves, como decisões judiciais baseadas na confissão obtida em âmbito policial cotejada com uma parca prova judicial. A jurisprudência tende a aceitar este tipo de prática desde que a confissão obtida na fase investigatória seja confirmada por outros elementos colhidos na fase judicial. O inquérito policial tem sua importância, mas não poderá servir de base para justificar uma condenação, pois é evidente que as garantias fundamentais em seu trâmite são relativizadas, diferentemente do processo judicial, onde há o pleno exercício de tais garantias fundamentais.

              No âmbito do tribunal do júri a situação se agrava mais, pois há a prevalência da convicção íntima, onde o jurado dará o seu veredito com base em qualquer fundamento, inclusive no inquérito policial, e pior, pode ser que ele utilize apenas o inquérito como base. Logo, no âmbito do tribunal do júri, o inquérito pode ser o fundamento exclusivo para uma condenação, algo inimaginável num Estado Democrático de Direito.

  Constata-se que na prática, o inquérito policial exerce forte influência no convencimento dos juízes, pois como ele acompanha o processo, é inevitável que o magistrado ao analisá-lo não venha a ser direcionado por suas conclusões.

              Segundo Ada Pellegrini Grinover, há duas razões para esse fenômeno:

           Em primeiro lugar, porque quem realiza o juízo de pré-admissibilidade da acusação é o mesmo juiz que proferirá a sentença no processo (exceto no caso do Júri); em segundo lugar, porque os autos do inquérito são anexados ao processo e assim acabam influenciando direta ou indiretamente no convencimento do juiz (PELLEGRINI GRINOVER, 1996, p. 239). 

           Primeiramente, deve-se criar uma fase intermediária, entre o inquérito e o recebimento da peça acusatória, presidida por um juiz distinto daquele que irá sentenciar. Esse juiz seria aquele que atua na instrução preliminar para autorizar ou denegar a prática das medidas que limitem direitos fundamentais, sendo um juiz de garantias, lembrando que este não atuará no processo, preservando assim a imparcialidade do julgador.

            Em segundo lugar, para que não haja a contaminação do convencimento do magistrado julgador, deve ser determinada a exclusão física do inquérito policial dos autos do processo, evitando indesejáveis confusões de fontes cognoscitivas, contribuindo para a total originalidade do processo penal, evitando a contaminação do juiz pelos elementos obtidos na fase pré-processual.

            O principal objetivo é a originalidade do processo penal, pois não há produção probatória na fase das investigações preliminares, não sendo atribuído a esta fase a aquisição de provas. Na fase preliminar apenas deve ser colhidos elementos determinantes do fato e da autoria, em grau de probabilidade, com o fim de justificar a ação penal. A produção da prova reserva-se para a fase processual, cercada por todas as garantias ao exercício da jurisdição (LOPES JÚNIOR, 2012, p. 362).

         A originalidade é alcançada, principalmente, porque se impede que todos os atos da investigação preliminar sejam transmitidos ao processo – exclusão de peças –, de modo que os elementos de convencimento são obtidos da prova produzida em juízo. Com isso evita-se a contaminação e garante-se que a valoração probatória recaia exclusivamente sobre aqueles atos praticados na fase processual e com todas as garantias (LOPES JÚNIOR, 2012, p. 362).

            Desta forma, com a exclusão do inquérito policial dos autos do processo, evitar-se-á uma condenação baseada em meros atos de investigação, desta forma reforçando a função endoprocedimental da fase das investigações preliminares. Os elementos fornecidos pelo inquérito, à exceção das provas técnicas e das produzidas através do incidente antecipado de provas (ante o juiz), não devem ser valorados na sentença e nem servir de fundamento para uma condenação.

           Segundo Luigi Ferrajoli (1997, p. 103), a única prova válida para uma condenação é a “prueba empírica llevada por una acusacíon ante un juez imparcial, en un proceso público y contradictorio con la defensa y mediante procedimientos legalmente preestablecidos”.    

              É a função endoprocedimental dos atos do inquérito, no sentido de que sua eficácia é interna à fase, para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no seu curso. Para evitar a contaminação, o ideal é adotar o sistema de eliminação do processo dos atos de investigação, excetuando-se as provas técnicas e as irrepetíveis, produzidas no respectivo incidente probatório (LOPES JÚNIOR, 2012, p. 363).

Concluindo, os atos da investigação preliminar devem ser considerados meros atos de investigação, tendo uma limitada eficácia probatória, pois a produção da prova deve reservar-se para a fase processual.  Nisto, reforça-se a função endoprocedimental dos atos do inquérito, pois a sua eficácia é interna à fase, para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no seu curso e justificar o ingresso da ação penal e o seu respectivo recebimento pela autoridade judicial. Sendo assim, o mais aconselhável é adotar o sistema de eliminação do processo dos atos de investigação, excetuando-se as provas técnicas e as irrepetíveis, produzidas no respectivo incidente probatório. Desta forma, preserva-se a imparcialidade do julgador e, principalmente, a originalidade do processo penal.  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERRAJOLI, Luigi. Derecho e Razón. Teoria del garantismo penal. 2 ed. Madri: Trotta, 1997.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. . rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

PASSOS, Fábio Presoti. A participação do investigado na instrução preliminar como manifestação dos direitos fundamentais. Belo Horizonte: Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito, 2012.


PELEGRINI GRINOVER, Ada. Influência do Código-Modelo de Processo Penal para Ibero-América na Legislação Latino-Americana. Convergências e Dissonâncias com os Sistemas Italiano e Brasileiro. In: O Processo em Evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1996.